Por Alessandro Quadros de Varanda Castro
No bairro humilde de Recanto das Rosas, em Cerquilho, São Paulo, mora João Dores, um brasileiro típico que, como milhões de outros, enfrenta o desafio de equilibrar as contas no fim do mês. Entre os boletos, um deles chama atenção: a conta de luz. Em novembro de 2024, João pagou R$ 471,66 por um consumo de apenas 447 kWh – uma conta quase 30% mais alta do que no mesmo período do ano anterior. O motivo? O alto custo da energia termoelétrica.
Mas como chegamos aqui? E por que João, que sequer entende o que é uma termoelétrica, paga tanto por essa fonte cara de energia?
O peso das Termoelétricas na energia de João
No Brasil, quando chove pouco e os reservatórios das hidrelétricas estão baixos, o sistema elétrico precisa recorrer às termoelétricas. Essas usinas, que queimam gás natural, diesel ou carvão para gerar energia, têm custos operacionais muito mais altos do que as fontes renováveis. Enquanto um megawatt-hora (MWh) de uma hidrelétrica custa em média R$ 200 a R$ 300, o mesmo megawatt-hora gerado por uma termoelétrica pode ultrapassar R$ 1.000.
Em novembro, o Operador Nacional do Sistema (ONS) registrou um custo de R$ 1,04 bilhões apenas com despacho de termoelétricas. Esse valor exorbitante foi transferido para consumidores como João Dores por meio das bandeiras tarifárias vermelhas, que adicionaram R$ 96,50 à conta dele. Esse acréscimo representa quase 20% do valor total da fatura.
As Termoelétricas e o Sistema Interligado Nacional
No Brasil, o sistema elétrico opera de forma interligada, o que significa que a energia gerada por todas as fontes – hidrelétricas, eólicas, solares e termoelétricas – é misturada e distribuída conforme a necessidade. Em teoria, o ONS despacha a energia das usinas com menor custo primeiro, mas em momentos de crise hídrica, as termoelétricas são ativadas para evitar apagões.
Contudo, há questionamentos sobre como essas decisões são tomadas. O acionamento de termoelétricas não ocorre apenas por necessidade técnica; ele também movimenta bilhões de reais em um mercado que inclui grandes grupos empresariais.
Quem ganha com as Termoelétricas?
As distribuidoras, responsáveis por levar a energia até a casa de João, ganham uma parcela fixa da conta, conhecida como Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). No caso de João, R$ 182,58 foram para essa categoria. Embora esse valor seja regulado pela ANEEL, especialistas apontam que as distribuidoras podem se beneficiar do alto custo das termoelétricas, já que tarifas mais altas aumentam a arrecadação total.
Por outro lado, as geradoras termoelétricas também saem lucrando. Mesmo com custos variáveis elevados, elas garantem contratos vantajosos durante períodos de seca, quando o sistema depende delas. A pergunta que fica é: esses contratos refletem realmente o interesse público ou são moldados para favorecer grupos específicos?
O Impacto em João Dores e em todos nós
Para João, a conta de luz não é apenas um papel. É a diferença entre encher a geladeira ou deixá-la vazia. Cada real gasto com energia cara é um real a menos para comprar comida, remédios ou investir no futuro da família.
Enquanto isso, grandes corporações geradoras e distribuidoras lucram. Em um sistema que deveria priorizar o bem-estar dos cidadãos, o alto custo da energia termoelétrica expõe a fragilidade de um modelo que ainda depende demais de fontes caras e poluentes.
O caminho para um Futuro Melhor
Para aliviar o peso nas costas de brasileiros como João Dores, o Brasil precisa:
- Investir em mais renováveis: Hidrelétricas com reservatórios maiores, eólicas e solares poderiam reduzir a dependência de termoelétricas.
- Aumentar a transparência: É essencial saber quem realmente ganha com as termoelétricas e como são definidos os contratos.
- Fortalecer a fiscalização: ANEEL e ONS precisam garantir que as decisões no setor priorizem o consumidor, e não apenas os interesses empresariais.
João Dores não entende de megawatts, despachos ou leilões. Mas ele sabe quando sua conta de luz é alta demais. E, como tantos outros, ele se pergunta: até quando vai pagar o preço de um sistema que deveria estar a serviço dele, mas que parece atender a outros interesses?